quarta-feira, maio 26, 2010

Nadie te quita lo vivido*

Preciso lembrar disso mais vezes
"(...) Gosto muito de uma expressão em espanhol, cujo ensinamento nem sempre consigo aplicar em minha vida prática: "nadie te quita lo vivido". Traduzido seria: ninguém pode tirar o que já viveste. Dela apreende-se que aquilo que deu tempo de fazer, contemplar, dizer e sentir está completo, e, se é indiscutível que um dia vai acabar, já valeu.
Não se deduza disso nenhuma precipitação a uma forma hedonista e imediatista da existência. Essa é a lógica dos toxicômanos: esgotam a vida com brevidade, vivem cada instante como se fosse o último, morrem a cada curva do prazer. Diferente disso o carpe diem que proponho passa por resignar-se a percorrer o caminho inteiro de uma existência, visitar todas as suas estações. Aceitar a vida acaba sendo mais difícil do que conformar-se ao fato da morte. A lógica hipocondríaca dos que padecem de doenças imaginárias, assim como dos eternamente jovens, também é uma antecipação da morte. Para esses sovinas, a vida não deve ser gasta . Sou um desses quando derrubo antecipadamente meu plátano e morro de véspera.
Faço votos de que nunca precise dizer "eu era feliz e não sabia". A condição passageira não precisa ofuscar o prazer de ver a passagem das estações. De cada folha que nasceu e caiu, "nadie me quita lo vivido". Uma vida é para ser usada em todas as suas partes que estão ainda de pé. Preciso lembrar disso mais vezes."
Diana Corso
*Texto publicado no Segundo Caderno da ZH de hoje.

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